INSTITUTO DE GESTÃO INTELIGENTE

 

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Chuvas fortes e a falta de planejamento

Denis Alcides Rezende *

Mais uma vez as chuvas reiteram os “velhos” problemas municipais. É uma tristeza incomensurável ver famílias sofrendo por nossa incompetência cidadã e pela desatenta e indiferente gestão pública. Ver principalmente idosos, crianças e mães chorando por perder seus poucos e simples bens materiais é lamentável. Assistir o desabafo de pais impotentes olhando sua moradia alagada e diante da possível solução desses problemas é muito lastimoso. Parece que essas pessoas perderam sua cidadania. Perderam sua cidadania ou sua dignidade? Nesses momentos tristes, perderam sua honra, respeitabilidade, brio, pundonor ou amor-próprio.
Eu me sinto constrangido como pessoa, me sinto envergonhado como professor-educador, me sinto indignado como cidadão votante.
Sei que são dicotomias contraditórias que precisamos refletir: cidadãos e governantes. De um lado nós os cidadãos que estamos despreparados para conhecer, entender e praticar nossos direitos sem prejudicar o meio ambiente. Não entendemos bem porque não podemos cortar as árvores, queimar as matas, invadir os mananciais, jogar lixo nos rios, usar valetas como esgotos, construir nossas moradias para nossas famílias em morros, encostas, matas ciliares, beiras de rios e outros lugares impróprios. Não efetivamente entendemos tantas outras atitudes humanas desconhecidas, inconseqüentes e irregulares. Não assimilamos direito que estamos errados e sempre afrontamos a natureza.
De outro lado o despreparo, a falta de vontade, a distância de atitudes e a incompetência dos gestores públicos em respeitar o meio ambiente. Entendo incompetência, essa palavra forte, como falta de competência; falta de autoridade ou dos conhecimentos necessários para o julgamento de alguma coisa; e inabilidade, inaptidão (Dicionário Aurélio). Nem sempre os gestores públicos pensam estrategicamente os municípios e muitas vezes não consideram o meio ambiente e os direitos dos cidadãos menos privilegiados cultura e educacionalmente.
Indubitavelmente incompetência de pensamento e execução do planejamento estratégico municipal. Sim, estratégico, de longo prazo, pelo menos para mais de 4 anos e ideal para 10 anos (provocativamente ampliando 2 mandatos). Não me refiro aos Planos de Governos com propostas de governantes para seus 4 anos de mandato que destacam avenidas, praças, parques, placas, monumentos, chafarizes e votos. Refiro-me a um planejamento que versa sobre questões habitacionais, sociais e principalmente, nesse momento, questões ambientais, tais como, lixo, saneamento básico, água potável, contemplando possíveis condições atmosféricas (temperatura, chuvas, ventos, umidade), mau tempo e outras implicações oriundas da natureza.
Tais questões habitacionais, sociais e ambientais relacionadas com a qualidade de vida diferenciada dos cidadãos precisam ser discutidas coletivamente, analisadas de forma integrada e planejadas participativamente (governos e cidadãos). Indubitavelmente, além dessas questões, são inúmeras e divergentes temáticas municipais que devem ser consideradas quando se pensa e planeja estrategicamente os municípios. Como exemplos de temáticas municipais, podem ser citados: agricultura; ciência e tecnologia; comércio; cultura; educação; esporte; indústria; lazer; meio ambiente; saúde; segurança; serviços; transportes etc.
Não são dramas apenas de responsabilidade do governo municipal, pois incluem as demais esferas de governo (estaduais e federal). Nós, cidadãos, também não podemos externar e responsabilizar apenas os governos: temos de fazer nossa parte e contribuir com o nosso município nessas questões municipais emergentes. “Nossa parte” diz respeito à simples atitudes cotidianas e também a atividades mais formais e planejadas.
Para tanto, elaborar e executar um Planejamento Estratégico Municipal é fundamental. Como já escrevi, evidentemente esse planejamento não é o Plano de Governo parcial dos prefeitos atuais ou dos governadores estaduais que assumirão seu mandato no próximo ano, que, em geral, quando elaborado contempla determinadas temáticas municipais ou estaduais para apenas quatro anos. Além do Plano Plurianual Municipal e do Plano Diretor Municipal, o Planejamento Estratégico Municipal é o mais relevante instrumento que contempla todas as questões municipais, incluindo desafios habitacionais, sociais, ambientais, financeiros e políticos do município, de sua região e sua Unidade da Federação.
O Planejamento Estratégico Municipal deve ser desvinculado de um partido político, de um governo específico e de um período muito curto. Também deve ser integrado ou alinhado com os demais instrumentos de planejamentos municipais para efetivamente alcançar seus objetivos de interesses coletivos e de longo prazo. Permeados por metodologias, formalidades e legislações específicas, cada um dos instrumentos possui fases, subfases e produtos propostos. Tal planejamento requer indubitavelmente a aproximação e equalização dos interesses pessoais, grupais, sejam públicos ou privados. De um lado os interesses públicos enfatizam o conforto de políticos, tanto os interesses pessoais ou de grupos de pessoas. De outro lado os interesses privados enfatizam o conforto de representantes das organizações, da mesma forma tanto os interesses pessoais ou de grupos de empresas. Mas é importante enfatizar que os cidadãos são o foco, e não somente as contrapartidas aos políticos e muito menos os resultados para as organizações.
Os cidadãos devem ser efetivamente respeitados e priorizados. Claro que todos nós somos cidadãos, mas o foco aqui está no menos privilegiado nas temáticas municipais, principalmente as que se referem às questões habitacionais, sociais e ambientais (não excluindo as anteriores já citadas).
Em tempos de eleições estaduais, não faltarão planos de governo de candidatos. Mas definitivamente um plano de governo focado nas intenções individuais ou de grupos de pessoas para 4 anos, não contempla todas as necessidades de um município e de um estado.
Espero que as chuvas sejam mais amenas. Espero não continuar triste, constrangido, envergonhado e indignado. Espero não recorrer a São Pedro para que ele re-planeje as chuvas para minimizar nossa incompetência cidadã e de gestão pública

* ...Denis Alcides Rezende é pós-doutor em administração municipal, consultor e professor da PUCPR e da FAE. Autor de artigos e livros de planejamento privado e público.
Professor convidado do Curso de Especialização em Gestão do Município, em Maceió/Al, promovido pela FV Consultores, no período 2011/2012.
www.DenisAlcidesRezende.com.br

O PROCESSO DE URBANIZAÇÃO

 

Viviane de Figueiredo Campello*

 

A Produção do Solo Urbano

A origem da cidade se confunde com a origem da sociedade de classes. A produção do solo urbano é parte de um processo sócio-econômico ligado à acumulação e, como tal, a cidade espelha os diversos momentos econômicos, políticos e conflituosos por ela vivenciados. A produção do espaço urbano tem sido conseqüência da falta de democracia, da rivalidade entre as classes, do lucro e da exploração do homem pelo homem. As formas de ocupação do solo dependem de como a sociedade está hierarquizada, em classes sociais e da maneira com estas se interrelacionam e apropriam o solo urbano. No Brasil, em razão do grande desequilíbrio na distribuição de renda e das enormes diferenças entre as classes sociais, os contrastes no uso do solo tornam-se muito mais visíveis do que nos paises desenvolvidos. A forma de colonização marcada pelo modelo extrativista e pela intensa exploração dos recursos naturais existentes para atender aos colonizadores, também é responsável pela produção do espaço urbano. Podemos registrar dois tipos de apropriação do espaço urbano, resultantes da nossa colonização e da economia capitalista onde a desigualdade é fator determinante.
O primeiro é resultante da falta de poder aquisitivo de grande parcela da população, cujas áreas ocupadas na periferia das cidades geralmente são públicas ou invadidas e sem infraestrutura (encostas, áreas de proteção ambiental, alagadiças ou poluídas), gerando as favelas que serão, posteriormente, objeto de urbanização/saneamento pelo Poder Público.
O segundo tipo de apropriação é gerado por uma população minoritária, de alto poder aquisitivo, que se refugiam em condomínios fechados ou em bairros jardins, longe da poluição, congestionamentos, favelização e da violência urbana, situada em áreas também periféricas da cidade, sem infraestrutura básica, também custeada posteriormente pelo Poder Público.
Estes exemplos são responsáveis pelo crescimento desenfreado da malha urbana da cidade, provocando um crescimento desnecessário da área de expansão urbana, impondo altos custos de urbanização e manutenção ao sistema urbano.
O atual modelo de urbanização brasileiro, comprometido apenas com a cidade “Oficial”, “Visível”, “de Mercado”, perdeu o controle da exclusão, representada pela crescente ocupação ilegal e irregular do solo urbano. Mais de 50% de Maceió se encontra comprometida com moradias construídas fora dos padrões urbanísticos estabelecidos pela legislação em vigor, ocupações sem suporte técnico, sem financiamento público ou privado, gerando o embate entre a preservação do meio ambiente e o crescimento urbano. Toda a legislação responsável pelo ordenamento do uso e ocupação do solo urbano destina-se à cidade legal, visível, de mercado, não se aplicando à cidade invisível, justamente a que mais cresce.
Por outro lado, mercados de terra especulativos, sistemas políticos clientelistas e regimes jurídicos elitistas não têm oferecido condições suficientes e adequadas de acesso à terra urbana e à moradia aos mais pobres, provocando, desta forma, a ocupação irregular e ilegal.
Os impactos causados à cidade regular (violência urbana, problemas de infraestrutura, de visinhança, transporte, entre outros) e ao meio ambiente pelas ocupações irregulares e ilegais têm provocado a degeneração da cidade regular, o urbanismo de risco, a degradação do meio ambiente pela utilização de práticas ambientais predatórias e a baixa qualidade de vida dos citadinos.
Dentre os impactos ambientais causados, destacam-se o aumento, significativo da ocupação das encostas (áreas com declividade inadequada à moradia), a poluição das áreas de mananciais, praias, córregos, rios pela contaminação dos lençóis freáticos, erosão do solo, enchentes, desabamentos e desmatamentos, além da poluição do ar. Por outro lado, a incipiente disponibilidade de água potável, o mau gerenciamento dos resíduos sólidos (esgotos e lixo), com reflexos nas condições de saúde pública, o reduzido fornecimento de energia elétrica atrelada a pouca mobilidade da população no espaço urbano às necessidades de moradia e de equipamentos sociais, agravam significativamente a sustentabilidade das cidades, afetando não só as populações que não fazem parte da cidade “Oficial”, mas também toda a população da cidade, carecterizando-se num urbanismo de risco.
Contrapondo-se a esta realidade, é digno de destaque, como já foi ressaltado anteriormente, a incapacidade do Estado de corrigir os rumos desta urbanização de risco, seja como controlador e fiscalizador do uso e ocupação do solo, seja como gerador de políticas públicas de inclusão social pela democratização do acesso à terra urbana. O Poder Público teima por desconhecer a cidade ilegal e irregular (informal), ficando a mercê dos interesses do capital.

A Gestão da Terra Urbana

As experiências de Planejamento Urbano no Brasil, têm origem na década de 70, quando se deu a explosão do processo de urbanização. Os Planos Diretores desta época, responsáveis que são pelo processo de gestão da terra urbana, deram especial destaque a variável físico-territorial, em detrimento das variáveis sócio-econômica e ambiental, o que acontece ainda nos dias de hoje. Estes planos, elaborados com base em um modelo “ideal” de cidade, traduzidos em índices como taxas de ocupação, coeficientes de aproveitamento, tamanho mínimo dos lotes, etc, assumem uma visão excessivamente tecnocrática, desconhecendo totalmente a cidade real – a cidade dos conflitos sociais urbanos, resultantes das desigualdades de renda e suas influências sobre os mercados imobiliários, dissociando o Planejamento da Gestão da terra urbana.
Dentre estes conflitos, destacam-se:
a) o direito à terra urbana apropriada em função da renda – a apropriação da terra tem sido diferente entre os atores sociais;
b) o processo capitalista de produção imobiliária, aliado à oferta de serviços e equipamentos públicos, provocando valorizações diferenciadas de áreas urbanas, contribuindo para o agravamento da segregação e exclusão – Teoria da Causação Circular;
c) os procedimentos adotados na contratação de obras publicas, atendendo de modo geral aos interesses de empreiteiras e não às necessidades da população;
d) os critérios utilizados na concessão de serviços públicos pelas concessionárias, priorizando os interesses do capital e não da população usuária;
e) a apropriação do espaço urbano diferenciada entre produtores e consumidores.
Desta forma de gestão aplicada, caracterizada pelo contraste entre a legislação urbanística produzida racionalmente para uma cidade ideal e a cidade ilegal, são conseqüência os níveis alarmantes de exclusão social, constatando-se a impossibilidade de se produzir cidades equilibradas e sustentáveis com este receituário tecnológico.
No final dos anos 70, com a emergência dos movimentos sociais, estas contradições ficaram mais visíveis, impulsionando o debate sobre a reforma urbana, de forma a tornar mais clara a relação da legislação urbanística aplicada com a cidade real – a cidade dos excluídos.
Da Emenda Popular da Reforma Urbana, nasceu a viabilização de instrumentos urbanístico de controle do uso do solo urbano, de forma a possibilitar o acesso à terra através de sua democratização, assegurando a ação complementar do Planejamento à da Gestão da Terra Urbana.
A democratização significa a tentativa de reapropriação das cidades por seus cidadãos, recuperando a capacidade de intervenção dos mesmos enquanto atores coletivos e do Poder Público como regulador da vida social. Significa construir novas relações do Estado com a Sociedade e recuperar a sua capacidade de impulsionar os processos de negociação entre os diversos atores e forças sociais presentes nas cidades, tendo em vista o predomínio do interesse público sobre os privados e corporativos.
Desta forma, o Plano Diretor deve cumprir o preceito constitucional de garantir a função social da cidade e da propriedade urbana, ganhando para tal reforço com a Lei do Estatuto da Cidade, articulando uma série de instrumento Urbanísticos, Tributários, Financeiros e de Gestão Democrática.

 

* Viviane de Figueirêdo Campello é Consultora Especializada em Setor Público, Coordenadora Acadêmica e Professora do Curso de Especialização em Gestão do Município, em Maceió/Al, promovido pela FV Consultores, no período 2011/2012.
e-mail: viviane@fvconsultores.com

 

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